domingo, 27 de abril de 2008

Dois pesos e duas medidas na segurança

Rigorosa na punição de agentes acusados de crimes, a SSP é flexível com os delegados em situação semelhante

Marcelo Brandão/ Correio da Bahia

Enquanto a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) pune administrativamente agentes civis acusados de crime, com afastamento das atividades, relocação do posto de serviço e até com o cancelamento de promoções, não age com o mesmo rigor em relação aos delegados de polícia que se encontram em situação semelhante. São dois pesos e duas medidas. Afinal, mesmo respondendo a processos judiciais por crimes os mais diversos, muitos delegados jamais tiveram congelada a ascensão funcional. Diferentemente, aliás, do que aconteceu na semana passada, quando quatro policiais civis tiveram suas promoções suspensas por figurarem como réus em processos.
Visto sob a ótica constitucional, o procedimento da SSP em relação aos delegados de polícia é correto. Reza o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Mas a lei é para todos. Por esse critério, assim como os delegados, os agentes civis também não poderiam sofrer qualquer tipo sanção, antes de se esgotarem todos os recursos. Entretanto, não é o que acontece em muitos casos, demonstrando claramente que a SSP-BA age de forma diferenciada em relação às duas categorias funcionais.
São muitos os casos de delegados que recebem promoções, mesmo respondendo a processos judiciais, acusados de crimes. A delegada Emília Margarida Blanco de Oliveira é um exemplo. Ela foi condenada em um processo judicial na 1ª Vara Especializada Criminal e entrou com uma apelação da sentença junto à Primeira Câmara Criminal, segundo dados do site do Tribunal de Justiça da Bahia. Mesmo assim, foi promovida ao cargo de chefe de gabinete da Polícia Civil, no dia 10 deste mês.
Diferenças - O tratamento concedido à delegada foi bem diferente do recebido pelos agentes Jomário Jorge Freitas de Souza, Hércules Oliveira da Silva, Herielson Lopes Santos e Márcio Antônio Freire Bastos que tiveram as promoções suspensas, na semana passada. Os policiais também foram condenados em primeira instância, aguardam julgamento de recurso, como Emília Blanco, mas ao contrário dela, foram penalizados. O caso da delegada ainda tem um agravante, ela foi promovida a um cargo comissionado, concedido de forma espontânea pela SSP, ao contrário dos agentes punidos, que foram promovidos por tempo de serviço, ou por merecimento, conforme determina o estatuto da categoria.
O caso de Emília Blanco é só um exemplo dentre vários outros. O delegado Adaílton de Souza Adan, responde a vários processos criminais, sendo que durante o andamento de alguns deles, foi promovido mais de uma vez pela SSP. Como no caso da ação que responde na Vara Crime da comarca de Casa Nova, datada de 21 de maio de 2001, segundo dados do site do TJ-BA. Entre o início da ação criminal e o mês de janeiro de 2008, com o processo ainda em andamento, Adan foi promovido e recebeu aumentos nos seus proventos pelo menos três vezes, segundo a ficha cadastral de servidores da Polícia Civil, obtida com exclusividade pelo Correio da Bahia.
A carreira do delegado Márcio Allan de Oliveira Assunção, titular, é outro bom exemplo. Ele foi designado para começar a atuar na polícia em 1995, mas cerca de quatro anos depois, em maio de 1999, foi denunciado à Justiça por crime contra vida. Mesmo respondendo pelo delito, foi promovido várias vezes em sua trajetória na polícia. Poucos meses após à denúncia, Márcio Allan recebeu uma promoção por antigüidade, em abril de 2000. Há cerca de um ano, mais um incentivo funcional: a titularidade da Delegacia de Repressão a Estelionato e Outras Fraudes (Dreof). Isso, apesar de estar respondendo a outro processo criminal, este na 15ª Vara Criminal, desde outubro de 2004.
Casos de delegados respondendo judicialmente por crimes se multiplicam, e invariavelmente, mas não há registro de que eles sofram sanções administrativas. Já os agentes acusados de crimes costumam ser transferidos para trabalhar nos postos da Polícia Civil situados nos hospitais públicos como HGE, Hospital Ernesto Simões Filho (HESF), no Pau Miúdo, e no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), no Cabula, além do módulo da instituição na Estação Rodoviária.
Presidente afastado do sindicato dos policiais civis, Hércules Oliveira, que responde a processo por crime de tortura, foi transferido para trabalhar no módulo do terminal rodoviário. Segundo ele, vários colegas chegam a ser penalizados com suspensões administrativas de até 90 dias, sem recebimento de salário, mesmo sem condenação judicial.
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Na Polícia Civil, apenas silêncio
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) se negou a fornecer qualquer tipo de informação sobre os delegados que foram indiciados por crimes, em processo administrativo disciplinar (PAD), pelas corregedorias do órgão. O corregedor-geral da institução, delegado federal Nélson Gaspar Neto, disse que “só com autorização” do delegado chefe da Polícia Civil poderia informar a quantidade de delegados indiciados, os nomes deles e o tipo de crimes que cometeram.
Já o delegado chefe da Polícia Civil, Joselito Bispo, se negou a fornecer qualquer informação sobre os delegados que responderam a processos criminais, indiciados pela corregedoria da instituição. Procurado durante dois dias, Bispo chegou a prometer que passaria números estatísticos, mas salientou que não revelaria o nome dos delegados que são acusados de crimes para não causar constrangimento a eles. “Não vou dar o nome de nenhum colega porque não acho conveniente”, afirmou.
Bispo não só se negou a fornecer os nomes dos delegados que estão sendo investigados pela corregedoria, como dos que já foram indiciados. Ele sugeriu que a equipe de reportagem tentasse obter as informações com o Ministério Público. Quando questionado se a negativa em fornecer as informações sobre os delegados não poderia denotar um ato de corporativismo, Bispo não respondeu. Como a SSP não revelou os dados sobre os delegados acusados, a equipe de reportagem não conseguiu confirmar que tipos de crime eles respondem em juízo. Procurada durante dois dias, a promotora de Justiça Maria Auxiliadora Kraychete, integrante do Grupo de Atuação Especial para o Controle Externo da Atividade Policial (Gacep-MP), que acompanha casos de crimes envolvendo policiais civis, não foi encontrada e não retornou os telefonemas
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