domingo, 4 de maio de 2008

Tambores de luto

Carmen Azevêdo

Alunos da escola de música do Olodum protestam contra declarações do professor Natalino Dantas
Eles não estavam trajados de preto, mas o luto era evidente no som monocórdio dos tambores. Na tarde de ontem, 45 alunos da Escola Olodum realizaram um protesto em frente à Fundação Casa de Jorge Amado, no Largo do Pelourinho, contra as polêmicas declarações do coordenador do curso de medicina da Ufba, Natalino Dantas. O médico e professor de currículo vasto afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que o Olodum, reconhecido internacionalmente, não faz música, mas “barulho”.
O protesto poderia ter reunido os 330 alunos da escola, mas, em virtude do feriado, apenas uma parte do alunado compareceu. A instituição, que exige que os estudantes estejam matriculados em escolas públicas, oferece seis opções de cursos gratuitos – entre eles percussão, dança e canto –, com direito a transporte e lanche. O grupo, que já gravou, inclusive, o Bolero, de Ravel, no CD duplo mais recente, intitulado Tambor cidadão, lançado no final do ano passado, costuma se apresentar nas tardes de sábado, na Rua das Laranjeiras, Pelourinho, sempre a partir das 14h. Ontem, o silêncio tomou o lugar do “barulho” que deixa tão animadas as tardes do Centro Histórico.
Vestidos com as cores da banda e cheios de expectativa de um dia realizar trabalhos inclusive no exterior, crianças e jovens entre 7 e 21 anos se mostraram indignados com as declarações do acadêmico. “Soubemos pela televisão e, no Olodum, todos estão comentando. Eu achei uma coisa tão desrespeitosa com a gente... Afinal, é uma escola que ensina, não a fazer barulho, mas música, dança e cidadania”, disse Ingrid Silva, 13 anos, aluna do curso de dança afro. O estudante Marcelo Santos, 16 anos, que se debruça sobre as técnicas da percussão há cinco anos, diz que é uma inverdade o que foi declarado pelo docente.
Enquanto os tambores entoavam apenas uma marcação, turistas e baianos assistiam ao protesto, alguns sem entender os motivos. Era o caso da alagoana Luciana de Souza, 38 anos. Depois de ouvir a explicação, ela concordou. “Ah, que absurdo! Uma banda com um trabalho tão conhecido, que exporta talentos, ter que passar por isso... Se não fosse boa, não estaria em todo o mundo”, afirmou. A irmã que a acompanhava, Ana Lúcia Biggi, 39, emendou: “Esta música faz parte da cultura da cidade, e o Olodum, além disso, tem um projeto social desenvolvido”.
A ação realizada ontem deve integrar uma onda de protestos previstos para acontecer nos próximos dias – não apenas pelas polêmicas afirmações do professor Natalino, mas também pelo abaixo-assinado que foi entregue esta semana ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o fim do sistema de cotas raciais nas universidades públicas. No fim da tarde de ontem, um encontro de gestores do grupo cultural Olodum definiu atos e datas. Outro protesto será feito amanhã, às 8h, na reitoria da Ufba, no Canela, dessa vez pelos estudantes da universidade. Eles farão passeata até a Faculdade de Medicina (Famed), no Vale do Canela, para que a unidade faça uma retratação pública e Natalino Dantas seja afastado do cargo de coordenador do curso.

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